domingo, 25 de novembro de 2012

Mulher Migrante na Venezuela: Intervenção de Ana Maria Gois (Fundação “Só Bem”)


PONENTE:           Ana María Gois

INSTITUCIÓN:     Presidenta de la Fundación “Só Bem” (Valencia)

PAINEL:               Red asociativa femenina lusovenezolana: De la teoría a la práctica



O caso da Só-Bem

PROPÓSITO
Estas breves palavras têm como único e exclusivo propósito servirem apenas para promover um debate sobre o associativismo ou incentivar quem se proponha realizar um trabalho profundo sobre o tema da beneficência.

ORIGENS
Não se afigura estranho que as organizações não-governamentais surjam ao olhar despreocupado da sociedade em períodos de crise ou de alguma convulsão social. Nesses momentos, em que os mais desfavorecidos e desamparados procuram os necessários apoios para fazerem face às agruras de uma vida dura, a sociedade redescobre o papel da Igreja, na sua importantíssima componente social, e, ainda, o desempenho de muitas instituições privadas de filantropia.
O Estado, amiúde falho de recursos e, ainda mais grave, desprovido da necessária sensibilidade para atender às situações mais gritantes de apoio imediato, consequência do gigantismo de uma máquina tão burocrática quanto pesada, acaba por ser substituído nessa função, que em absoluto lhe cabia, por inúmeras instituições privadas.
Hoje, mais que nunca, para podermos falar de beneficência, teremos necessariamente de abordar a problemática dos Direitos Humanos e, consequentemente, do exercício desses mesmos direitos.
O Estado Social, também conhecido por Estado Providência, herança que os ideólogos e estrategos cristãos do pós-guerra criaram, para conforto de uma Europa dilacerada por duas contendas bélicas e por uma guerra civil bárbaras, causadoras de milhões de mortos e de não menor número de feridos e deslocados, construiu-se não somente com sacrifício mas, principalmente, com o sentimento de fraternidade que une os seres humanos. Vicissitudes diversas, estranhas ao tema que hoje nos propusemos abordar, levou o referido Estado Social a defrontar-se com uma crise que, obviamente, afectará o tecido social mais frágil. Este último, parco de rendimentos e debilitado na sua essência, incapacitado de recorrer à malha estatal que supostamente o deveria defender mas que o atira para um processo burocrático que desconhece, e do qual dificilmente consegue sair, acaba invariavelmente por recorrer a quantos, sem atenderem a cálculos matemáticos e questionários intermináveis, lhes dão os alimentos para matar a fome, os medicamentos para fazer face à doença e as vitualhas que lhe tiram o frio.
Esses anónimos, que trabalham por vezes em condições extremas, têm apenas como desiderato auxiliar o seu semelhante. Por nada esperarem, por terem presente apenas que cumprem objectivos morais e religiosos, já que a matriz lusa ainda se revê no cristianismo e no legado da rainha D. Leonor, são muitas vezes esquecidos. Ou melhor, são tão esquecidos quanto os deserdados que amparam e protegem.
O agravamento e a agudização dos conflitos sociais, a par da demanda de serviços por parte da população a instituições não-governamentais, fazem com que os problemas a enfrentar sejam cada vez mais complexos. Daí que, para fazer frente a este tipo de casos, seja necessária a aplicação de soluções de maior alcance, que incluam pessoas qualificadas para interactuar de maneira eficaz e eficiente com outras organizações, empresas e, em situações de maior complexidade, com o próprio Estado.
As associações ou sociedades de beneficência, que surgem no meio da própria comunidade quando detectam falhas no sistema, organizam-se com o intuito de reduzirem a brecha existente entre a realidade e o desejado, por um lado, e o necessário e o possível, por outro. Intentam identificar as dificuldades sentidas por alguns e, como meio de solucionar o problema, encontrar soluções específicas.
Uma questão decisiva para a sobrevivencia destas organizações é sem dúvida, a questão do financiamento. De facto, sentem na própria essência o valor do dinheiro e estão bem conscientes do seu custo, constatando-se que procuram continuamente angariar fundos (assaz escassos) para poderem levar a cabo os seus projectos e alcançar, desta forma, os objectivos que se propõem. Podemos enumerar quatro formas de financiamento destas associações benéficas:
1. Dádivas de particulares (normalmente de indivíduos que por afinidade afectiva, pessoal ou ideológica com a causa, oferecem dinheiro, bens ou infraestrutura para o sustento das mesmas; algumas empresas também oferecem recursos, normalmente associados a operações de publicidade e mercadologia).
2. Financiamento externo (às vezes o Estado, como alguns organismos de crédito internacionais, esporadicamente disponibiliza verbas destinadas à execução de projectos pontuais).
3.   Venda de serviços/produtos, actividades de entretenimento.
4. Ofertas dos seus membros (em muitos casos traduzem as contribuições mais significativos da instituição).

Observamos também que as crises pelas quais atravessamos provocam uma aceleração das mudanças que, em circunstâncias não críticas, vão-se gerindo paulatinamente. E os modelos e mecanismos que foram adequados e funcionais numa determinada etapa ou situação, transcorrido algum tempo podem estar completamente obsoletos. Daí que, sendo as circunstancias mais complexas, os desafios são crescentes e, em parte, aliciantes.
A responsabilidade social que as beneficências têm adquirido nos últimos tempos, mercê dos condicionalismos económicos que mudaram radicalmente os paradigmas sociais, manifesta a necessidade de melhorar a capacidade institucional com a finalidade de maximizar o seu impacto social. Em consequência há que considerar cuidadosamente o principal recurso com que elas contam: os voluntários. Há quem considere que a incorporação de profissionais dentro destas organizações benéficas impõe-se como um factor decisivo, e que deve ser compreendida como um desafio estratégico para consolidação das mesmas e uma maior eficácia. Isso traduz, no entanto, o agravamento de custos em instituições que se debatem com ausência de meios materiais (não obstante ricas em meios humanos).

DESAFIOS
Como associações civis temos que tomar absoluta consciência de que pertencemos a um sector que tem representatividade e identidade dentro da comunidade; e temos que dar o exemplo de transparência e actuação éticas como pontos vitais para podermos manter um alto nível de credibilidade, uma vez que a transparência e a legitimidade sociais são atributos fundamentais da reputação e um factor chave para a nossa sustentabilidade e sobrevivência.


Certamente que os desafios se afiguram multíplices pois cada caso é diferente e exige um tratamento autónomo. A distância afigura-se, não raras vezes, factor inibidor. Ainda que o nosso raio de acção prevalecente se circunscreva ao Estado de Carabobo, não obstante com esporádicas e cirúrgicas incursões a outras áreas, consequência da delicadeza e da gravidade das situações em presença, nem sempre se torna fácil e célere a deslocação.

Nem sempre a comunidade lusa, primeira destinatária desta ajuda, ainda que estejamos abertos a qualquer nacionalidade, tem correspondido em meios humanos. Ou seja, precisávamos de mais voluntários para ocorrer a situações inopinadas. Felizmente que esta mesma comunidade portuguesa tem sido pródiga em apoios materiais.

É claro que faltam medicamentos, próteses, meios de diagnóstico e, nalguns casos, a tão desejada palavra amiga expressa pela presença física. Com o tempo corrigiremos este último ponto pois sabemos que teremos o arrimo necessário quando as circunstâncias assim o determinarem.

A comunidade lusa vai envelhecendo em solo venezuelano e, como tal, as situações de carência tenderão a aumentar. Diversos idosos, sem família e sem meios de subsistência, fosse devido ao facto de não terem sido previdentes ao longo dos anos fosse por desacertos do destino, necessitam em número crescente de apoios. Tendo o Estado português cortado a muitos deles o ASIC, mercê das dificuldades que assolam as finanças lusas e dos abusos que se verificaram ao longo de anos, não raros vêem-se em situações confrangedoras.



É nesta área que instituições como a Só Bem, sediada em Valência, actua com êxito desde 14 de Novembro de 1988. Urge fazer um estudo, porém, que seja levado superiormente às instituições oficiais, sobre a velhice em solo venezuelano. É crível que, aumentando os casos de mendicidade, os meios postos à nossa disposição se revelem insuficientes. Não tanto em termos alimentares, onde a comunidade lusa se vem revelando generosa, mas em termos de numerário, imprescindível este para a aquisição de medicamentos e pagamento de honorários médicos e ambulatórios.

SÓ BEM

A Só Bem, nascida, no ano de 1988, da urgência de apoiar portugueses carenciados que residiam no Estado de Carabobo, tem trilhado um longo caminho sem, contudo, mostrar sinais de fraqueza ou de desgaste. Bem pelo contrário, tem sabido aproveitar as sinergias dos seus quadros, os apoios dos seus beneméritos e as vantagens do sistema para continuar a crescer e, assim, a fazer obra de Deus na Terra.

Detentora de uma sede social que lhe permite ter uma âncora num mar de tempestade, a Só Bem apresenta, mercê de uma contabilidade gerida com rigor e profissionalismo, visada por uma Junta Directiva atenta e laboriosa, as contas equilibradas. Tal facto, passível de se reflectir no trabalho que desempenha junto de carenciados e necessitados, revela uma instituição saudável e obstinada em cumprir os seus propósitos.



É certo que muito haveria a fazer em termos assistenciais mas, consequência da inexistência de fundos avultados, já que sobrevive única e exclusivamente com o apoio dos seus associados, restringe a sua acção aos casos de maior urgência e gravidade. Neste capítulo, podemos referir que estamos a cumprir os nossos objectivos. E podemos afirmar, sem qualquer receio de cometermos um sacrilégio, que continuaremos a debater-nos pela dignidade e pela respeitabilidade de quantos, traídos pelo destino, enfrentam problemas aparentemente insolúveis.
Não nos substituímos ao Estado Português neste desiderato de bem servir, como é óbvio, mas corporizamos aquela forma tão lusa, herdada desde tempos imemoriais, de estarmos ao lado dos mais necessitados e dos mais fragilizados.




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