quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Comunicado | Mulher Migrante Venezuela: “As novas gerações estão a afastar-se das raízes portuguesas e por isso que Portugal deve reforçar a relação ibero-americana” | Dia Internacional do Migrante


Para poder falar da nova emigração é preciso rever a sua história, para assim melhor compreender as mudanças que ao longo do tempo têm vindo a suceder. Para isso é importante saber os motivos que levaram, no passado, o povo português a procurar novos horizontes. Razões várias, dos tempos mais remotos à atualidade, justificam este fenómeno. De assinalar a falta dos meios de subsistência responsáveis pelo "êxodo" de emigrantes isolados e de famílias inteiras, hoje radicadas nos diversos países de imigração. É também importante assinalar as circunstâncias de natureza política que as determinaram, associadas a perseguições desta natureza, à falta de liberdade de expressão, à guerra nas antigas colónias e a práticas sociais dominantes que impulsaram a fuga de muitos jovens, antes ou durante o cumprimento do serviço militar.

A família portuguesa tendeu sempre a acentuar o aspeto da identidade, colocando de lado qualquer apelo de integração, pois este era entendido e sentido como uma ameaça à sua identidade. Os emigrantes portugueses procuraram sempre manter uma unidade cultural que os impedia de integrar as sociedades onde se inseriam, mantendo sempre a esperança e o desejo de regressar ao seu país de origem. No entanto, “a dinâmica de uma sociedade multicultural e intercultural assenta, por um lado, na cultura da autonomia, por outro, na obrigatoriedade da participação e o emigrante português, fixado na ideia de regresso, sentia pouca vontade de participar e de se integrar na nova comunidade”.

Gradualmente, este tipo de emigração sofreu alterações. Se o projeto primeiro era angariar o máximo de dinheiro no mínimo de tempo, para poder regressar, cedo a família deu-se de conta que esse projeto económico não era realizável no espaço de tempo sonhado e, prolongando-se, entrava em conflito com outros objetivos importantes - A formação escolar das crianças exigia o adiamento do regresso e obrigava a uma certa integração de facto, em conflito com a ideia do regresso. A redistribuição de papéis na família, muitas vezes de forma pouco fiel à tradição, começava a afirmar-se à medida que as mulheres encontravam formas de trabalho remunerado.

Através de testemunhos podemos constatar que a educação familiar teve um peso significativo na formação e na vida das mulheres de origem portuguesa, tendo muitas delas relatado que os pais eram severos e austeros, ensinando principalmente os costumes da sociedade portuguesa. Relatam que tiveram uma educação diferenciada em comparação aos irmãos, pois, não gozando de nenhuma liberdade, deveriam ser acompanhadas sempre que saíam de casa, seja pela mãe ou por um irmão. Os pais controlavam bem de perto a sua vida até ao casamento, para entregar a filha "intata" ao futuro marido.

No entanto, as mulheres da segunda geração, que atingiram um nível educativo superior, são pessoas na maioria das vezes com uma identidade ambígua. Conhecem bem os padrões da pátria dos seus pais, não partilham a sua rigidez, mas gostam dos seus hábitos alimentares e das reuniões familiares aos domingos e nos dias de festa. No entanto, já não conseguem ter grande fluência na língua dos pais, limitando o seu vocabulário ao indispensável para a comunicação doméstica. Isto traz como consequência que seja mais fácil expressarem-se na língua do país onde vivem e muitas vezes já nem se identificam como portuguesas.

Se bem é certo que nos princípios da emigração portuguesa, no que se refere à Venezuela, observamos a típica emigração da mala de cartão, a saudade do país que deixaram atrás e da família que só voltariam a ver depois de muitos anos, não é menos certo que esta emigração logrou inserir na comunidade venezuelana e trespassar as barreiras culturais e linguísticas que num principio lhes parecia quase impossível. Os portugueses estão hoje perfeitamente integrados na cultura, na sociedade e na vida económica venezuelana. No entanto também observamos que as novas gerações estão a afastar-se das raízes portuguesas. É por isto que Portugal deve reforçar a relação ibero-americana, que deve passar pelo fortalecimento nas áreas política e económica, mas também pelas educativa e cultural. Não podemos perder de vista que o multiculturalismo e a globalização são fenómenos crescentes e irreversíveis.

A Associação Mulher Migrante na Venezuela deseja a todos os migrantes residenciados neste país um futuro de esperança, paz e armonia. PAZ NA TERRA AOS HOMENS E MULHERES DE BOA VONTADE.

Contacto: Milu de Almeida (Presidente)

________________________________________________________


A 4 de dezembro de 2000 a Assembleia Geral da ONU,devido ao aumento dos fluxos migratórios no mundo, proclamou o dia 18 de Dezembro dia dos migrantes internacionais. Dez anos atrás, neste dia, em 1990, a Assembleia já aprovara a Convenção Internacional sobre a protecção dos direitos de todos os trabalhadores migrantes e membros das suas famílias.

No seu relatório à Assembleia Geral, em outubro de 2013, o secretário-geral delineou um plano ambicioso de oito pontos para que a migração obtenha benefícios : migrantes, as sociedades de origem e também do destino. "A migração é uma expressão da aspiração humana de dignidade, de segurança e de um futuro melhor. É parte do tecido social da nossa condição como uma família humana", disse o secretário-geral nas suas observações.


terça-feira, 29 de outubro de 2013

Mulher Migrante na Venezuela: Comunicação de Milú de Almeida no Congresso Mundial “Mulher Migrante”, Lisboa 2013


Encontro Mundial - Mulheres da Diáspora - “Expressões Femininas da Cidadania”
Palácio das Necessidades - Largo do Rilvas - Lisboa, 24 e 25 de Outubro 2013

Comunicação de Milú de Almeida


PROBLEMÁTICA E RAZÃO DA EXISTÊNCIA DO ASSOCIATIVISMO NA VENEZUELA

Para falar de associativismo devemos primeiro definir o conceito de associação.

A associação é uma faculdade tanto social dos indivíduos como um meio de unir esforços e partilhar ideais através da associação de pessoas para fornecer respostas coletivas a certas necessidades ou problemas.

Os indivíduos são ambos os seres seletivos e sociais que por um lado sentem a necessidade de associar-se, e por outro são capazes de escolher com quem, porquê e como, pelo que podemos falar de uma necessidade social de afinidade seletiva.

A associação é um instrumento de participação, caracterizado por surgir a partir do acordo, em que um grupo humano, em conformidade com as vontades que o compõem, considera-se ter interesses semelhantes e um objetivo comum para alcançar, formando assim uma associação em particular.

Uma vez esclarecido o conceito de associação, vamos então falar do associativismo na Venezuela, a sua problemática e porquê está a aumentar a necessidade de diferentes associações no país.

Em primeiro lugar o estatuto de imigrante, contra o que podem pensar muitos, é muito difícil. Estar longe da família, entes queridos, seus costumes e tradições leva o imigrante a sentir-se sozinho e isolado e daí a necessidade de ter algum lugar que o faça recordar a terra onde nasceu.

Na Venezuela, surgiram nos últimos anos, dois fatores importantes que levam os imigrantes cada vez mais a reunirem-se em associações: a insegurança e a situação sócio-económica.


SITUAÇÃO SÓCIO-ECONÓMICA

Quanto à situação sócio-económica é bem conhecida a grave crise que atravessa o país.

Um país onde os controles de câmbio e alta inflação, trouxeram como consequência que a nossa comunidade esteja cada vez mais afastada da Pátria que a viu nascer.

Preocupa enormemente que o Governo Português tenha uma noção errada da situação económica da comunidade portuguesa na Venezuela. A nossa comunidade não é a que assiste e promove os almoços e eventos com os nossos políticos quando se deslocam para a Venezuela. Isso é uma minoria. A realidade é que temos uma comunidade com dificuldades económicas e muitos vivem em extrema pobreza. Ainda para agravar mais a situação, de 800 portugueses que recebiam o ASIC, hoje estão a receber esta ajuda somente 25. Tudo isto devido a uma atualização dos subsidiados.

É certo que houve que sincerar estas ajudas, mas com a esperança de que se aproveitasse o orçamento para ajudar outros mais necessitados. Isto não sucedeu.

Agora as nossas associações são lugares donde todos os dias chegam pedidos de ajuda e aqueles que fazem parte destas associações promovem eventos para poder solucionar, em parte, muitos dos problemas financeiros da nossa comunidade.

·         Temos assim, por exemplo, as Academias da Espetada. A Academia Mãe que é a da Cidade de Maracay, Academia da Espetada de Caracas, Academia da Espetada de Cidade Guayana e Academia de Barquisimeto. Estas Academias são geridas por mulheres que se chamam Amigas. O seu único objetivo é ajudar aqueles que precisam. Juntam-se todos os meses e partilham um jantar. Com o que obtêm destes jantares fazem as suas obras de beneficência tanto a idosos como a jovens.

·         As Academias do Bacalhau geridas por homens que se chamam compadres. Igualmente também se reúnem todos os meses a partilhar um jantar com bacalhau e as receitas são para ajudas benéficas. Existe a Academia do Bacalhau de Caracas, que ademais de ajudar casos pontuais, suporta o Lar de Idosos Padre Joaquim Ferreira. Academia de Maracay e Valencia com o mesmo objetivo e o Lar de Idosos de Maracay. Recentemente foi oficializada a Academia dos Altos Mirandinos que colabora com o Santuário Virgem de Fátima que se está a construir nessa região.

·         Associação Só Bem, Netas do Lar Padre Joaquim Ferreira, Sociedade de Beneficência de Damas Portuguesas. Todas elas ajudam pessoas necessitadas e as Netas partilham com os idosos duas vezes por mês com merendas e almoços convívio.

·         Fundação Martins atende crianças e jovens com paralise cerebral. Têm 37 casos na Fundação, mas têm censados 2.700 casos.

·         Associação de Jovens Luso-Descendentes e Federação Americana de Jovens Luso-Descendentes.

·         Filhos de Portugueses espalhados pelo Mundo funciona esta Associação na Net através da sua página web.

·         Existem ademais Associações que pretendem partilhar o saudosismo do lugar de nascimento e com o convívio que fazem anualmente ajudam a manter não somente as suas tradições mas também se unem para auxiliar os que precisam. São estas: Os Filhos do Faial, de Santa Cruz, de Câmara de Lobos, Associação de São Vicente, Associação de Santa Maria da Feira, Virgem de Fátima de Guatire, Virgem de Fátima de Los Teques, Associação do Minho, Associação do Alentejo.

Estão ativos 21 clubes ou centros portugueses em todo o país. Estes clubes, se bem são geridos na sua maioria por homens, têm as Comissões de Damas conformadas pelas respectivas esposas dos senhores das Juntas Diretivas.

Entre as funções principais da Comissão de Damas estão, planejar e executar atividades de caráter recreativo e social, dirigidas a toda a massa associativa, com ênfase especial para as crianças. Entre as responsabilidades delas está o apoio aos sócios, família, empregados, pessoas da comunidade portuguesa e da sociedade venezuelana que requerem de apoio para tratamentos médicos, operações, consultas, pessoas mais carenciadas. As atividades delas são pilar fundamental do compromisso social que devem por convicção exercer no peito da instituição e da sociedade em geral.

Também dentro das funções delas está planejar e executar as atividades que o clube oferece aos seus empregados e família, como as festividades de Natal, o dia da criança, o dia da mãe, do pai entre outros.

A sua contribuição para o endereço de relações públicas é fundamental. Entre as duas áreas promovem eventos como a eleição da rainha e madrinha do clube, princesas e princesinhas de carnaval, a festa dos quinze anos, festa cor de rosa a favor da luta contra o cancro de mama e a coordenação dos atos religiosos do clube, como as confirmações, comunhões, entre outros.

Ademais destas Associação e Clubes, existem no país 30 Agrupações Folclóricas que trabalham gratuitamente para causas benéficas.

Tanto Associações como Clubes são lugares de encontro da comunidade portuguesa na Venezuela e são sítios para fomentar a continuidade da nossa cultura neste país.

Os apoios a estas Associações e Agrupações têm sido até aos momentos quase inexistentes na Venezuela, um país com uma extensão territorial tão imensa, as Associações que se encontram em lugares remotos e de poucos recursos, fazem um duplo esforço para poder sustentar-se:

Cada dia é mais difícil o intercâmbio cultural com artistas, historiadores, escritores da nossa Pátria, pois a atual situação económica conjuntamente com a desvalorização monetária, tornam praticamente impossível a realização duma atividade tão importante como esta e é lamentável que os Governos de turno não tenham sabido aproveitar o saudosismo das iniciativas de promoção de atividades culturais ou sociais em todas as suas manifestações e que muito têm beneficiado a Lusitaniedade além fronteiras.


INSEGURANÇA

Venezuela registrou um total de 16.000 homicídios em 2012. Isto representa uma taxa de 54 homicídios por 100.000 habitantes, quase +14% que no ano anterior, segundo dados relatados pelo governo, que prometeu reforçar medidas para combater a insegurança.

No entanto, a organização Observatório Venezuelano da Violência (OVV) argumenta que os assassinatos no ano passado foram 21.000 registrados que eleva a taxa de 73 mortes por 100.000 habitantes, segundo dados não oficiais citados no seu relatório de 2012, Venezuela é o país latino-americano mais violento.

O problema da insegurança na Venezuela é bastante grave. De acordo com um relatório da ONU publicado em setembro no ano passado, tornou-se o 6º país com maior taxa de homicídios do mundo, de 206 países comparados; Nós somos o país com o maior número de homicídios na América do Sul.

Pelo menos 149 mortes violentas ocorreram em Caracas até nos primeiros nove dias do mês de agosto, segundo dados não oficiais. De acordo com o jornalista do “El Nacional”, Javier Ignacio Mayorca, o número de mortes de forma violenta é aproximadamente de 16 por dia.

Uma média de quase 18 corpos cada dia foram admitidos na morgue de Bello Monte nos primeiros treze dias do mês de outubro que de acordo com o montante total chegou aos 230 cadáveres na Medicature forense de Caracas.

Fontes da Universidade Central da Venezuela dizem que a nação lidera o ranking de violência global.

Na América Latina a média é de 30 homicídios por 100.000 habitantes. Na Venezuela é de 44 homicídios, ou seja, nós estamos (19 homicídios) acima da média latino-americana e de acordo com a UNESCO é a taxa mais alta do mundo. Isto significa que ocorre aproximadamente cada meia hora um assassinato no nosso país.

Diferentes áreas da administração de especialistas do sistema de Justiça concordam que apenas 7% das mortes são resolvidos, e 93% permanecem impunes. O Sociólogo Dr. Roberto Briceño León do Observatorio Venezuelano da Violência pensa que este ano Venezuela atingirá os 25.000 homicídios ou mortes violentas.

Como consequência da situação anteriormente exposta, a Comunidade sente a necessidade cada vez mais do encontro em lugares que possam proporcionar-lhes entretenimento e ao mesmo tempo segurança, tanto para eles como para as suas famílias.

Clubes e associações fornecem esta oportunidade, pois eles contêm os espaços necessários para o desfrute desportivo e cultural com um mínimo de risco. Ao mesmo tempo, frequentar esses lugares, de alguma forma contribui com a aquisição da portugalidade de que estamos todos orgulhosos.

Hoje é extremamente angustiante para os pais ver os filhos saírem a divertirem-se, como é o direito de cada cidadão, devido a anarquia vigente no país. Estes lugares são hoje mais necessários do que nunca. No entanto, é lamentável que só uma minoria tenha acesso a eles por causa do custoso que significa ser sócio de um destes clubes. Muitos enfrentam sérias dificuldades para cobrir a mensalidade que deve ser paga, mas é quase uma obrigação fazê-lo, pois a segurança dos nossos filhos é o mais importante.

Hoje em dia, no país em que vivemos pertencer a um clube ou uma associação não é um luxo, mas sim uma necessidade.

Faço aqui um apelo ao Governo Português para que ponha mais atenção aos problemas das comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, porque muitas destas comunidades estão a atravessar graves problemas.

Lamentavelmente a Comunidade Portuguesa na Venezuela está a passar momentos difíceis. Nós não pedimos imigrar.

Ninguém imigra porque quere. A situação de miséria e fome que vivia Portugal levou muitos dos nossos antepassados a tomar esta decisão.

Pode-se dizer que aliviamos o País dum gasto público maior, mas também há momentos que estes filhos que foram criados por uma mãe adotiva precisam da mãe de criança.

Não se esqueçam, senhores políticos!


Bibliografia
·         Correio da Venezuela
·         Observatório Venezolano de Violencia
·         Reportero 24
·         Diario La Voz
·         Diario del Caroní
·         Código Venezuela
·         El Universal
·         Ponencia Associativismo por Lic. Luisa Campos – 2º Congreso Nacional de la Mujer Luso-Venezolana
·         Ponencia Associativismo del Profesor Jany Moreira - Encuentro de Luso Descendientes






Manuela Aguiar: Discurso de abertura do Congresso Mundial “Mulher Migrante”, Lisboa 2013

Uma primeira palavra de agradecimento por estarem nesta reunião a que todos somos convocados por uma grande vontade de "fazer futuro" com as forças e as dinâmicas criadas pelo movimento constante das migrações.

É este o sentido que queremos dar a uma comemoração tão especial, porque, mesmo que nos permitamos alguns momentos de nostalgia na memória de pessoas e de acontecimentos inesquecíveis, é, sobretudo, a visão prospectiva que nos motiva.

São 20 anos da "Mulher Migrante- Associação de Estudos, Cooperação e Solidariedade".

20 anos de intenso envolvimento na vida das comunidades da Diáspora, olhando a sua situação e o seu evoluir, através da ação, das perspectivas e projetos de mulheres, que estão, ainda quando não parecem estar na base da sua construção e das suas profundas transformações.

20 anos de estudo: de apelo constante a um encontro de mundos, não muito fáceis de aproximar - o mundo do "saber de experiência feito" e o da investigação científica - que sempre, com excelentes resultados, procuramos pôr em diálogo nos numerosos congressos, colóquios, jornadas de reflexão, em que é pródigo este passado de duas décadas.

20 anos de cooperação e solidariedade com instituições de muitas comunidades e países e com sucessivos governos, no que poderemos chamar políticas de emigração, com uma componente fundamental de género.

Em Portugal, o embrião das políticas para a igualdade e promoção ativa da cidadania, através da audição das mulheres da diáspora, vem de longe, da meia década de 80, podendo nós, por isso, reclamar neste domínio um inquestionável pioneirismo, em termos europeus e universais - mais um dos assomos de vanguardismo com que o nosso País surpreende os outros, de vez em quando...

Mas foi preciso esperar pelo início do século XXI para podermos falar de políticas desenvolvidas com caráter sistemático, no cumprimento assumido, dentro e fora do País, das tarefas que o legislador constitucional impõe ao Estado para promover o aprofundamento da democracia, que passa necessariamente pela efetiva igualdade para as mulheres na vida da República, ou "res publica".

Julgo que podemos afirmar que e emergência de um novo ciclo de políticas para a igualdade, se abriu com os “Encontros para a Cidadania - a igualdade entre homens e mulheres”, realizados em diferentes regiões do mundo, entre 2004 e 2009, e agora continuados em Encontros Mundiais de caráter periódico, numa parceria entre o Governo e a "sociedade civil", conforme o previsto na inédita Resolução nº 32/2010, proposta pelo então deputado pela Emigração José Cesário.

A AEMM, cujas fundadoras haviam estado, quase todas, na organização do 1º Encontro Mundial em 1985, ligou, de uma forma explícita, querida e afirmada, o seu destino a este processo histórico - e o tê-lo conseguido até ao presente reforça a vontade de se transcender em novas iniciativas e colaborações cívicas, levadas a cabo, como sempre aconteceu em espírito de puro voluntariado e com o impulso de fortes convicções.

As políticas de género na emigração - e a AEMM pode bem testemunha-lo enquanto parceira de governos de diferentes quadrantes político partidários - são um exemplo de continuidade, de respeito pelos princípios constitucionais, vazados em boas práticas - uma continuidade que é coisa rara em Portugal, cuja vida pública é marcada pela tentação de destruir tudo o que vem do passado, por vezes até dentro do mesmo governo (com a simples mudança do titular da pasta), num quadro de permanente instabilidade, em rupturas e recomeços que significam tremendos desperdícios de meios e energias...

É, pois, muito bom poder, em contracorrente, prosseguir, com o Dr. José Cesário, o trabalho encetado com o Dr. António Braga, com a Dra Maria Barroso. a Presidente dos Encontros para a Cidadania, grande cidadã Portuguesa, que nos deu a honra de conosco tem estado, como inspiradora e aliada, desde o início.

20 anos, a perseguir a utopia igualitária! Utopia ainda, mas a permitir-nos falar em certezas de progresso, nas expressões femininas da cidadania, pondo em foco as suas realizações, nos múltiplos domínios em que interagem com os homens no espaço nas comunidades do estrangeiro. Na verdade, o todo das comunidades, os homens, como as mulheres, não estão ausentes das nossas preocupações, porque o equilíbrio que desejamos é necessariamente construído também com eles.

É a emigração toda que está no horizonte das nossas preocupações nesta conjuntura dramática que atravessamos, perante um êxodo desmesurado, em que as mulheres, pela primeira vez, ombreiam com os homens, e os trabalhadores menos qualificados, com o melhor da "inteligentzia" nacional...

Os movimentos migratórios atuais criam novos estereótipos. Que levam à negação da existência, ou, melhor, da coexistência de uma emigração de perfil tradicional, num eterno recomeço... Portugal é o País das migrações sem fim, como eu não deixei de lembrar nos tempos em que nascia a AEMM e em que a "classe política", se me posso permitir esta generalização, acreditava que a adesão à CEE, com a sua promessa de desenvolvimento ascensional, pusera termo a um fenómeno até então considerado como inelutável...

Vamos agora, ao longo de dois dias de diálogo, falar, saber mais sobre a emigração feminina, sobre as jovens envolvidas no recomeço destas grandes vagas migratórias e, igualmente, sobre as que têm já um longo percurso nas comunidades, questionando a relação entre género e formas de expressão na política, no associativismo, nas artes, na prática empresarial...

As mulheres terão a palavra para fazer prognósticos sobre o seu futuro no movimento para o futuro das comunidades, enquanto parte integrante da nação portuguesa em diáspora universal.

Maria Manuela Aguiar


Mulher Migrante na Venezuela: Conclusões do Congresso Mundial “Mulher Migrante”, Lisboa 2013

Chegamos ao fim do Encontro Mundial de Mulheres Migrantes, sob o tema “Expressões Femininas da Cidadania”, com o alto patrocínio do Secretário das Comunidades Portuguesas, cujas palavras inspiradoras foram incentivo para a criação de laços e pontes nas e entre as comunidades para que os projetos inovadores cresçam e se concretizem! É tempo agora de apresentar umas breves notas finais deste encontro tão intenso. Intenso pela abrangência dos conteúdos, versando múltiplas facetas femininas da cidadania, intenso pela pluralidade de participantes, nacionais e internacionais, representantes de várias comunidades portuguesas espalhadas pelo Mundo, bem como de países de expressão portuguesa. Todos foram convocados para a reflexão e diálogo aberto e produtivo. Foi esta a melhor maneira de celebrar os 20 anos da “Mulher Migrante – Associação de Estudos, Cooperação e Solidariedade”, duas décadas de atenção às migrações portuguesas, especialmente no feminino, e o reconhecimento e incentivo à capacidade de afirmação e influência das mulheres nos destinos que partilham com os homens nas comunidades portuguesas do estrangeiro e do papel destas na divulgação da identidade e da cultura portuguesa.

No tocante à dimensão das mulheres na política foram confrontadas experiências de outros países. Os testemunhos marcantes de mulheres que venceram na carreira política nos países de destino, apresentaram-se como mulheres de referencia, dado que, nesta área, tal como no mundo empresarial e nos órgãos de decisão é ainda muito pouco significativa a sua presença. Destacou-se a importância do trabalho de voluntariado como alavanca para a participação feminina na política.

Esteve em debate a questão da paridade e alguns efeitos positivos da aplicação das quotas embora as restrições e incumprimentos na sua aplicação mereçam uma maior reflexão, após ter passado o período de aplicação experimental. As mudanças que se têm operado na emigração onde há mais igualdade entre géneros se bem que mais visível na área cultural e cívica podem ser indícios para mudanças mais significativas pois esta poderá ser a alavanca para as outras dimensões.

O papel da sociedade civil, através das associações revelaram-se verdadeiras embaixadas capazes de representar o todo na origem e no destino. Ouvimos testemunhos do seu papel junto das comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, com dimensões abrangentes: na transmissão da imagem de Portugal; de solidariedade; na vanguarda da defesa dos direitos dos cidadãos migrantes; na integração em novos contextos; no combate ao isolamento num país diferente; na afirmação da língua e cultura portuguesa e, mais recentemente, no auxílio socioeconómico face à crise severa e insegurança extrema em países como a Venezuela. De destacar ainda os testemunhos sobre a interligação com outros movimentos do país de acolhimento na luta por causas comuns. Nas atividades das associações. Outro aspeto da dinâmica das associações mostrou-se patente na recente criação das universidades seniores nas comunidades, designadas por ASAS (Academia sénior de artes e saberes).

Foram apresentadas novas formas de associativismo – as casas da cidadania, configuradas para o novo rosto do fluxo migratório: mais jovem, com a presença de mais mulheres, com maior nível de formação, leque diversificado de interesses culturais e profissionais. Também foi destacado o papel das associações e do Observatório dos Lusodescendentes em Portugal com uma missão inovadora e muito abrangente.

Sobre o empreendedorismo, construído essencialmente no masculino, assiste-se a um novo paradigma presente na mensagem forte e positiva do empreendedorismo cultural onde as mulheres das artes se reinventam, recriam e lutam por causas nobres. Testemunhos diversos mostraram-nos a capacidade das mulheres no mundo empresarial e a necessidade de aplicação de estratégias de coaching e mentoring para garantir a entrada no mundo empresarial com sucesso. O exemplo das mulheres guineenses como forma de combater a crise e assegurar o apoio familiar foi inspirador desse empreendedorismo no feminino.

Outra dimensão remeteu-nos para o Conhecimento da diversidade do fenómeno migratório português conduzindo-nos a uma melhor compreensão. Transvasar as fronteiras do mundo académico e fazê-la chegar a um público mais abrangente foi o objetivo do painel “Migrações e Migrantes”, através de vários discursos (religioso, associativo, de representação, literário), onde oradores especialistas nos apresentaram de forma complementar as várias vertentes do poliedro migratório. Hibridação do Feminismo e o Estudo da Migração é a marca da nova corrente do estudo do género e, neste encontro, a combinação dos termos “mulher” e “migrante” é exemplo disso mesmo, ou seja, reflexo do hibridismo académico e da interdisciplinaridade na investigação.

A Exposição coletiva de pintura - "Mulheres d'Artes em Movimento" apresentou-se através de trabalhos criativos (pintura e poesia) e pelo diálogo entre artistas e convidados. Este momento, juntamente com e os painéis sobre Artes e Letras foram pontos altos deste Encontro, onde estas formas tão intensas de expressão de cidadania no feminino foram apresentadas, quer através das obras expostas, quer estudos académicos quer ainda por histórias de vida. As vivências, aprendizagens culturais e interações dos países de origem e de destino resultaram propícios para o desenvolvimento das artes e das letras. Foi destacado o contributo das mulheres intelectuais para as mudanças do meio cultural e na luta pela igualdade. Transportou-se para ribalta trajetórias identitárias de mulheres que, até agora, estiveram nas margens, caso de Ana Fontes, Regina Pacini e Maria Inácia Cotta Menezes. Também o papel da língua, fator de identidade cultural, a sua evolução constante, os vários domínios, tipos de texto e discurso foram lavo de destaque. Foi relevado a importância de conhecer a perceção que os alunos lusodescendentes do ensino superior, em França têm da sua língua. Seguiu-se a apresentação do projeto desenvolvido pela Rhode Island College em parceria com a Fundação Pro Dignitate – Fundação dos Direitos Humanos. Nestes painéis as comunicações desenvolveram-se a partir de expressões simbólicas e metafóricas, de pontes que invadem o nosso imaginário e que nos levam tão longe e que a artes (música, pintura) e as letras tão bem traduzem. Como disse o poeta Adolpho Rossé, citado pela pintora Ana Maria: “ Não é a cotovia que canta é o pássaro cor do infinito!”.

No último painel, Narrativas de vida, imagens e imaginários, desfilaram trajetórias de vida, através de estudos académicos onde imagens e estereótipos emergiram do filme Gaiola Dourada, as questões das mulheres marroquinas em Espanha, o estudo das mulheres portuguesas empreendedoras em Andorra e ainda um testemunho de vida na primeira pessoa. Todo este conjunto de intervenções ajudaram-nos a conhecer a realidade das problemáticas das migrações onde as narrativas de vida surgem enquanto poder e as novas epistemologias como formas de construir o conhecimento.

Mas o mais importante de tudo, citando as palavras sempre inspiradoras da Drª Manuela Aguiar “ É tempo de traçar as grandes linhas do movimento, da marcha coletiva para o futuro”. Começaremos por indicar algumas das ideias e sugestões apresentadas ao longo do Encontro, a saber:
• Solicitar junto da Assembleia da República a revisão da Lei da paridade;
• Suscitar a todos os partido políticos a elaboração de estratégias de seleção e recrutamento que visem uma melhor integração das mulheres na política, nomeadamente, a sua colocação nas listas, em lugares elegíveis;
• Estimular a criação de associações – casa da cultura;
• Maior apoio estatal ao ensino da língua portuguesa e cultura da lusofonia nas comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo e aos lusodescendentes em Portugal;
• Promoção da imagem de Portugal com o incentivo de novas formas de empreendedorismo no feminino;
• Promoção no estrangeiro da imagem da forma de ser português como uma forma muito própria de estar na vida, através da educação formal e sensibilização;
• Incentivo às novas formas de associativismo para dar resposta ao novo fluxo migratório com novos contornos;
• Integração de membros da comunidade de destino nas associações como forma de interligação;
• Reconhecimento e valorização das novas associações de acordo com a sua relevância. Atribuição de verbas resultantes das receitas consulares para desenvolvimento de estratégias e apoios, mesmo de caráter social;
• Apoio às confederações de associações de cada país para que possam reunir e trocar experiências;
• Maior apoio às associações para apoio em diversos domínios pelo facto de ter havido redefinição da rede consular e redução do número de funcionários;
• Solicitar atenção especial às comunidades portuguesas que vivem uma profunda crise económica e graves problemas de insegurança, caso da Venezuela;
• Promoção e incentivo a estudos sobre empreendedorismo da diáspora, no feminino e do universo dos lusodescendentes para melhor conhecimento destas realidades;
• Desenvolvimento de parcerias através de estratégias de coaching e mentoring para promoção do sucesso empresarial das mulheres;
• Reforçar o apoio ao Observatório da Emigração e dos Lusodescendentes e agilizar as redes de contacto nas e entre as comunidades;
• Maior incentivo e divulgação das expressões de cidadania através das artes e letras das mulheres da diáspora;
• Apelar à subscrição da Convenção 97, dos Direitos dos cidadãos nos países de destino, aos países que ainda não o fizeram, caso dos países africanos.

De significado relevante neste encontro, e no ano da celebração do 20º aniversário da Associação, foi o tempo de memórias, presente na homenagem a duas mulheres notáveis, escritoras, vanguardistas do seu tempo e lutadoras dos direitos das mulheres na sociedade portuguesa, ambas condenadas ao exílio, ambas referências do “feminino” no espaço da cultura: Maria Lamas, que festejaria este ano 120 anos se fosse viva e Maria Archer a jornalista, escritora e tradutora, felizmente, já mais conhecida entre os mais jovens. Também a Associação, prestou, na celebração do seu 20º aniversário, a justa homenagem a Fernanda Ramos, cofundadora da Associação Mulher Migrante, através de testemunhos sentidos e plenos de reconhecimento por membros diretivos da Associação, familiares e amigos, reveladores da imensa grandeza desta mulher notável, empreendedora, verdadeira matriarca,“moderna em seus atos, pensamentos e conselhos, mas também incrivelmente conservadora em seus valores, conceitos e regras” segundo palavras de seu neto.

Por fim, poderemos concluir que este encontro foi cenário para se festejar, apresentar, refletir, questionar as muitas facetas femininas da cidadania. Demos mais um passo na longa caminhada que temos pela frente, no mundo da diáspora e, em particular, da diáspora no feminino. Como disse o poeta,” o caminho faz-se caminhando “ e nesta caminhada da Associação, encetada por mulheres e homens de valores, lutadores de causas e desejosos de um mundo melhor, estaremos todos mais confiantes no presente, mesmo apesar dos constrangimentos, mas já com os olhos postos no futuro.


Lisboa, 25 de outubro 2013

Arcelina Santiago